Entrevista com Martha Gabriel: como implementar a cultura digital nas empresas?
Entrevista com Martha Gabriel: como implementar a cultura digital nas empresas?
A transformação digital já é uma realidade em nossa sociedade. Ferramentas e acessórios tecnológicos fazem parte da nossa rotina e isso não é diferente quando se pensa no contexto corporativo e dia a dia das empresas. No entanto, é importante entender, acima de tudo, que a transformação digital não se trata apenas de utilizar uma solução ou outra, mas sim de construir uma cultura digital dentro de organizações.
Independentemente do segmento de atuação ou do tamanho da companhia, é necessário entender que a mudança precisa ser mais profunda no DNA de uma organização. Claro, computadores, smartphones e programas já fazem parte da realidade da maior parte das empresas: para se diferenciar em um mercado tão concorrido, é preciso implementar uma cultura digital. Falamos um pouco mais sobre isso no nosso eBook gratuito sobre a Transformação digital e os novos modelos de trabalho.
Afinal, se o comportamento do cliente já não é o mesmo, então por que a sua empresa não deve se adaptar também à era digital? Contudo não se trata de uma tarefa tão simples de ser executada. Pensando justamente em todos os desafios e benefícios de uma cultura digital nas empresas, entrevistamos a futurista, professora, escritora e palestrante Martha Gabriel para explicar mais sobre o assunto e lhe oferecer as informações necessárias para construir uma cultura digital na sua empresa. Continue a leitura e entenda o que precisa ser feito.
Sobre Martha Gabriel
Martha Gabriel é um ícone multidisciplinar na América Latina nas áreas de negócios, tendências e inovação. Futurista pelo IFTF (Institute For The Future), engenheira (UNICAMP), pós graduada em Marketing (ESPM) e design (Belas Artes), mestre e PhD em artes pela ECA/USP e formação executiva pelo MIT Sloan.
É autora dos best-sellers “Você, Eu e os Robôs – como se transformar no profissional digital do futuro", "Marketing Na Era Digital", "Educar: A (R)Evolução Digital na Educação”. CEO da Martha Gabriel Consultoria, com uma ampla gama de clientes, incluindo corporações multinacionais, bancos, governo e universidades e sócia/investidora em startups.
Além disso, é professora de Inteligência Artificial da PUC-SP, e também leciona nas melhores escolas de negócios do Brasil, incluindo Insper e Fundação Dom Cabral. Palestrante em 6 TEDx, keynote internacional com mais de 80 apresentações no exterior, premiada 3 vezes como melhor palestra em eventos nos EUA.
Keynote frequente em eventos de tecnologia, inovação e negócios, como Gartner DA, Gartner IT/XPO Symposium, IBM Think Summit, Web Summit Brasil, ODSC Brasil, Digitalks Expo, e entre outros. Embaixadora no Brasil da Geek Girls LatAm, ONG de fomento de educação tecnológica para garotas focando na diminuição da inequalidade e no aumento da diversidade nas áreas STEM (science, technology, engineering, mathematics).
Confira abaixo o bate papo com a especialista sobre o assunto e os principais pontos que pudemos reunir com base no seu conhecimento:
Entrevista com Martha Gabriel sobre a cultura digital e sua implementação nas empresas
Martha, como você enxerga hoje a cultura digital nas empresas? Qual é o primeiro passo para sua implementação?
A cultura é, ao mesmo tempo, o principal elemento e o maior desafio para a transformação digital do negócio. Empresas e indivíduos em estágios mais maduros de cultura digital focam em novas oportunidades e solução de problemas, enquanto culturas menos desenvolvidas digitalmente buscam apenas ferramentas.
Para favorecer a inovação sistêmica, e consequentemente a transformação digital, a cultura deve se desenvolver estrategicamente a partir da liderança: cultura acontece de cima para baixo, disseminando e inspirando com comprometimento como exemplo; quando a mudança acontece de baixo para cima ocorre algo mais parecido com rebelião, trazendo sempre desgastes e perdas que podem custar muito caro, tanto para a organização quanto para os indivíduos que nela atuam. Por isso, o papel dos líderes no desenvolvimento da cultura digital é fundamental.
Quais são as características mais marcantes da cultura digital?
A cultura digital é fundamentada na velocidade vertiginosa crescente de mudança desencadeada pelas tecnologias digitais que dão corpo à 4ª Revolução Industrial. Essa velocidade muda as regras do jogo da vida (e, consequentemente, também dos negócios), aumentando a sua complexidade estratégica. Isso determina características culturais marcantes, essenciais para a sobrevivência e sucesso: pensamento crítico, adaptabilidade e humanidade.
Em outras palavras, a cultura digital requer atitudes, valores e comportamentos que:
a) favoreçam a rápida compreensão das mudanças para permitir o desenvolvimento de estratégias adequadas (pensamento crítico);
b) abracem o novo (adaptabilidade tecnológica);
c) mantenham a humanidade (human centricity) nesse processo;
Na dimensão da adaptabilidade estão incluídos vários soft skills, como criatividade, agilidade, resiliência e colaboração, bem como hard skills que garantam o domínio no uso e implementação de tecnologias. Quanto melhor esses fatores são orquestrados de forma a se complementarem, mais favorável se torna a cultura para atuar no mundo digital.
Por que empresas resistem à implantação de uma cultura digital?
Acredito que existem três motivos principais que causam resistência à implantação da cultura digital: miopia, apego e falta de capacitação contínua.
M****iopia - Infelizmente a natureza humana não consegue enxergar de maneira fácil a exponencialidade e a complexidade. Em função disso, muitos líderes acreditam que os seus negócios estão indo bem, quando na realidade estão sendo minados pela velocidade digital. Quando percebem que precisam mudar, muitas vezes não dá mais tempo de fazer as correções necessárias.
Apego - Mudança de cultura requer esforço e desapego, dois elementos naturais de resistência humana. No contexto digital, a situação é ainda mais desafiadora, pois a postura de abraçar mudanças constantes e rápidas demanda esforço e desapego mais drásticos, contínuos, criando resistência ainda maior por parte das empresas.
Falta de capacitação contínua - Para querermos mudar, precisamos primeiro entender o que está acontecendo e, depois, aquilo que precisamos fazer para ter resultados melhores. Em um cenário que muda constantemente, a única forma de fazer isso é se capacitando de forma contínua, por isso o conceito de lifelong learning virou um mantra. O que funcionava até pouco tempo atrás já não é mais o suficiente, soluções novas sempre estão surgindo. Para esse item específico, recomendo um livro que escrevi especialmente para ajudar compreender o jogo do digital: “Você, Eu e os Robôs: como se transformar no profissional digital do futuro”.
Pensando no mercado moderno, quais os setores você acredita que podem mais se beneficiar de uma cultura digital? Quais estão caminhando mais rapidamente nesse processo de digitalização?
Apesar de cada setor ser impactado de formas distintas pelas tecnologias digitais, indubitavelmente, todos se beneficiam da cultura digital – quanto mais digital o mundo se torna, mais digital a cultura precisa ser. Acredito que a questão da aceleração da adoção da cultura digital não esteja relacionada ao setor, mas à maturidade digital do setor em cada contexto específico.
Por exemplo, na agricultura, temos desde pequenos produtores que ainda estão começando a utilizar tecnologias digitais, enquanto os grandes já estão totalmente automatizados. No entanto, em qualquer caso, seja em organizações mais maduras ou iniciantes digitalmente, a consolidação de uma cultura digital favorece o negócio a avançar para o próximo nível de inovação. Assim, independentemente de setor de atuação ou tamanho, qualquer organização se beneficia de uma cultura digital.
Como o comportamento de compra do consumidor digital pode influenciar na cultura das empresas?
O comportamento de compra do consumidor determina as oportunidades de mercado. Se esse comportamento passa a ser digital, as empresas que atuam nesse mercado precisam oferecer soluções digitais para atender todas as dimensões em que o consumidor é impactado – comunicação, venda e logística. Nesse sentido, se a cultura das organizações não se digitalizar para estar em sintonia com o consumidor digital, não conseguirá atendê-lo, e consequentemente, não acompanhará o mercado.
Além da liderança, colaboradores também têm um papel importante na cultura digital corporativa?
Sim, os colaboradores são protagonistas da cultura corporativa – os seus comportamentos, atitudes, crenças e valores determinam os resultados da organização. Não existe organização digital sem colaboradores que fomentem e pratiquem uma cultura digital. Por mais que uma organização invista em tecnologias digitais, não terá resultados se as pessoas não as abraçarem. Como analogia, podemos dizer que se as tecnologias são o hardware de uma organização, os colaboradores são o sistema operacional – sem ele, o hardware não funciona.
Soluções tecnológicas fazem toda a diferença na implementação da cultura digital nas empresas. Quais ferramentas ou soluções você acredita que sejam as mais importantes nesse processo?
Buckminster Fuller, um dos mais extraordinários pensadores do século XX, dizia que “Se você quer ensinar às pessoas uma nova forma de pensar, não tente ensiná-las. Ao invés, dê a elas uma nova ferramenta, cujo uso conduzirá a novas formas de pensar”. Portanto, se queremos criar uma cultura digital, em que as pessoas adquiram mentalidade digital, devemos oferecer ferramentas digitais a elas. Nesse sentido, as ferramentas mais importantes serão aquelas que fomentam melhores resultados para cada tipo de atividade.
Por exemplo, se você quer que uma pessoa melhore sua navegação na cidade, você deve oferecer a ela um aplicativo de trânsito, cujo uso criará a consciência de uma cultura digital de locomoção e gestão de tempo. Se você quer melhorar os fluxos de informação em uma organização, precisa oferecer às pessoas ferramentas que permitam transações digitais sem a necessidade de impressão e movimentação física de documentos. Primeiro, deve-se disponibilizar a ferramenta digital que cria o comportamento e mentalidade desejados, para então, consequentemente, gerar a cultura.
O que podemos esperar do futuro da cultura digital?
O futuro da cultura digital passa pela incorporação do conceito no DNA das empresas, facilitando, assim, a sua disseminação, e garantindo que a sua regulação aconteça de forma automática e orgânica. Para isso, nenhuma organização pode se acomodar, sendo preciso estimular a melhoria constante de todos os processos.
Para recapitular e absorver
Veja abaixo um resumo das informações coletadas no nosso bate-papo com a Martha Gabriel e entenda como implementar uma cultura digital na sua empresa:
O que é a cultura digital?
Por tudo o que foi falado, portanto, entende-se que a cultura digital representa uma série de práticas, atitudes e estratégias que utilizam a tecnologia como principal ferramenta para realizar mudanças em uma organização. Ou seja, é a utilização dos avanços tecnológicos para otimizar e potencializar o desempenho de uma empresa, mas de forma consistente e perene, fazendo parte de toda a estrutura de funcionamento em uma companhia.
Não se trata, por exemplo, de utilizar o e-mail como canal de comunicação com os seus clientes. É muito mais do que isso: é entender a importância do digital para o presente e o futuro da organização e, a partir disso, reformular os processos operacionais para que a tecnologia seja mais relevante. Assim, a tendência é que a empresa consiga inovar regularmente, se mantendo competitiva. É uma mudança estrutural e contínua dentro da organização.
Não confundir com o uso de ferramentas e soluções tecnológicas, que são utilizadas pontualmente e de forma não integrada. Para implementar uma cultura digital, é necessário repensar todo o modelo de negócio, assim como a cultura organizacional e o mindset de quem faz parte da empresa.
Qual a sua importância para as empresas?
Conexão com o cliente
O primeiro benefício de investir em uma cultura digital é a possibilidade de criar conexões mais duradouras com o cliente - este cada vez mais familiarizado e inserido nos canais digitais. Afinal, a inovação e a aplicação de novas tecnologias passam diretamente por uma mudança de mentalidade em que o consumidor se torna o foco das ações de uma empresa. Quando isso é colocado em prática, o relacionamento com o cliente se torna mais natural.
A empresa consegue, assim, gerar um nível mais alto de retenção desses clientes, já que eles passam a confiar ainda mais nos produtos, serviços e/ou soluções que são oferecidos. Em um cenário de alta competitividade, criar essa conexão com o cliente é fundamental para resistir ao impacto que outras empresas podem causar, por exemplo, com promoções ou novas soluções.
Automação e otimização de processos
Já imaginou quanto tempo dos colaboradores da sua empresa não é perdido com tarefas burocráticas que agregam pouco valor aos resultados finais? E se esses mesmos profissionais pudessem se concentrar em atividades mais estratégicas? É isso que acontece com a automação e otimização de processos. Algumas das tarefas são substituídas por máquinas e sistemas, enquanto outras são reformuladas e aprimoradas.
Toda a empresa se torna mais eficiente, utilizando o melhor da tecnologia para conseguir fazer mais com menos. Isso resulta em menos tempo para a realização de uma atividade, assim como o ganho em precisão e eficiência.
Redução de custos
Com a otimização de muitos processos internos, os custos operacionais da empresa também tendem a ser reduzidos. Afinal, vai ser preciso menos trabalho para conseguir resultados iguais ou melhores do que os obtidos anteriormente. Com essa mudança cultural, também fica mais fácil encontrar desperdícios e gargalos que geram custos desnecessários para a companhia.
Maior produtividade
Pare para pensar na gestão de documentos de uma companhia. Ter tudo centralizado em uma única ferramenta, por exemplo, pode agilizar inúmeros processos dos mais variados setores. Seja o vendedor em busca das minutas para redigir um contrato, seja o administrador para definir o orçamento disponível para os próximos meses. Todas as áreas da empresa ganham em produtividade.
Melhor tomada de decisão
A cultura digital ajuda também no processo de tomada de decisão dentro de uma organização. Seguindo o exemplo da centralização de documentos e dados, os profissionais têm acesso a todas as informações necessárias para definir qual é o melhor caminho para cada estratégia. Ou seja, nada é decidido sem uma análise mais detalhada e aprofundada do que a empresa tem em mãos.
No longo prazo, isso representa o uso mais inteligente dos recursos financeiros e pessoais. Um gestor de Recursos Humanos, por exemplo, consegue identificar melhor qual profissional está mais encaixado na realidade da empresa e aquele que precisa de mais orientação para ter um melhor rendimento. Ou seja, toda estrutura de trabalho ganha com decisões mais eficientes.
Descoberta de diferenciais competitivos
Uma empresa que implementa a cultura digital tem a inovação como presença constante em seu modelo de negócio. Novas ideias, abordagens e estratégias são sempre bem-vindas para encontrar soluções aos antigos problemas. Dentro de um mercado tão disputado, isso significa mais chances de se diferenciar constantemente dos seus principais concorrentes. Uma empresa constantemente em evolução não deixa nunca de competir no mercado e está sempre preparada para enfrentar os desafios do mercado.
Quais os setores que podem se beneficiar de uma cultura digital?
Todos. As possibilidades proporcionadas pela cultura digital, conforme Martha ressalta, não mudam apenas uma área ou outra. Todos os setores são diretamente impactados e devem se beneficiar de uma cultura digital, gerando uma maior eficiência de diferentes maneiras.
Como implementar uma cultura digital?
A mudança começa nas lideranças
Antes de mais nada, é preciso entender que o movimento pela mudança precisa partir do topo de uma organização. A partir dessa postura mais ativa dos líderes da empresa, é possível definir estratégias, caminhos e soluções para a organização. Os gestores devem entender o que precisa ser feito para que os processos organizacionais se tornem mais eficientes e que toda a companhia entenda a importância de se adaptar ao novo cenário do mercado.
Identificação de problemas e soluções
Com a mudança na mentalidade dos principais tomadores de decisão da companhia, é o momento de identificar quais são os principais problemas da empresa e como a tecnologia pode desempenhar um papel essencial de mudança. Ainda mais importante é descobrir como integrar todo o funcionamento da organização a partir dessas soluções, criando um modelo de negócios inovador e eficiente.
O planejamento é essencial para garantir que as mudanças, de fato, sejam relevantes. É o caminho para evitar que a tecnologia se torne apenas uma parte para solucionar problemas específicos. A ideia é ter uma visão global do funcionamento da empresa para, assim, desenvolver toda uma estrutura que seja mais eficiente a partir de diferentes recursos e soluções tecnológicos.
Engajamento e treinamento dos colaboradores
Após a definição de um planejamento estratégico, é o momento de levar a cultura digital para o restante da equipe. Afinal, são os colaboradores que vão garantir a aplicação de uma nova cultura no dia a dia da empresa. Para isso, porém, eles precisam ser estimulados e treinados para lidarem corretamente com os desafios que podem surgir pela frente.
Uso de ferramentas adequadas
Além disso, os profissionais precisam ter as ferramentas adequadas para colocarem a cultura digital em prática. Um time de vendas, por exemplo, pode ter uma solução que facilite o processo de geração de contratos, aumentando a velocidade para fechar negócios. A área jurídica pode usar uma ferramenta que torne o fluxo de trabalho mais rápido, reduzindo riscos jurídicos e aprimorando o trabalho de governança.
Não deixe de conferir a obra "Você, Eu e os Robôs: Como se Transformar no Profissional Digital do Futuro" de Martha Gabriel para mais informações sobre as transformações tecnológicas da última década, além de seus desafios e oportunidades em um mundo cada vez mais digital.
Transformação digital e novos modelos de trabalho
A transformação digital tem sido protagonista não apenas de mudanças na cultura empresarial e forma de fazer negócios. Um estudo, da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP, mostra que 70% dos profissionais no Brasil desejam continuar trabalhando no modelo remoto mesmo com o fim das restrições do cenário pandêmico.
Para gestores que pretendem preparar sua empresa para o futuro, aumentar a produtividade de equipes e melhorar seus resultados, entender mais sobre os novos modelos de trabalho é um primeiro passo importante.
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